DANÇA E MÚSICA

E VLADMIRO GONGA CUMPRIMENTA ANGOLA E O MUNDO: UAZEKELE?!

Por: JÚLIA MBUMBA

Fotos: Arquivo Artista

Do folclore tradicional africano ao Jazz; da Massemba ao Kilapanga e deste à aplaudida Bossa Nova. Um misto entre os estilos mais africanos àqueles que foram as suas caminhadas pelo mundo e o apego pelo discutido e ressonante Jazz, hoje mais gritante na América do Norte, caracterizam a música e a obra de Vladmiro Gonga, o rapaz que conserva as suas raízes na música e nas composições de grandes referências da música angolana, conhecidas como percussores e estabilizadores desta.

Uazekele é a segunda obra discográfica de Gonga e, para além do que nos trouxe a MassembaJazz, em 2014, esta vem trazer a possibilidade de renovação estética para a música moderna angolana, “vem abrir espaços de novas formas de fazer música artística estabelecendo formas de criação de músicas de alta sofisticação resultante da combinação dos ritmos tradicionais Africanos com o Jazz e a Bossa Nova; revêm-se no álbum Uazekele todas as influências rítmicas tradicionais da música de Angola, por outro lado, a relevância que faço às línguas angolanas e seus dialectos menos conhecidos pela maioria das pessoas; no tema que dá título ao CD faço referência aos dialectos Kakady, Kibangala, Kassongo, Kilunda, todos variantes de línguas dominadoras, como o Kimbundo, Nfyote, Mukongo e outras… Cantando, as pessoas absorvem a mensagem com facilidade, consigo chegar ao ouvinte e passar a informação sobre a necessidade da valorização dos nossos ritmos, línguas e dialectos das nossas tradições culturais, de um modo geral”, fez saber o músico.

Uazekele é uma espécie de continuação do MassembaJazz, apesar de o primeiro álbum ter-se apresentado mais melódico: “Trabalhei muito nos desenhos e arranjos melódicos, muito embora com a minha principal marca que é a complexidade dos acordes harmónicos e textos poéticos bem elaborados para aquilo que é a minha forma natural de compor e construir canções. Já neste segundo álbum, trabalhei muito mais na elaboração e na criação de ritmos mecanicamente harmónicos, alguns dos quais criados por mim mesmo, nascidos de danças, sobretudo, de carnaval”, conta o autor.

Neste trabalho discográfico, a missão do artista foi transportar o ritmo da dança folclórica que ressonam dos Batuques, para as cordas e acordes com batidas percussivas do violão gerando um ritmo no metrónomo, bem como colocar a letra e os outros instrumentos modernos: esse foi o processo de criação com pesquisas, uma verdadeira dedicação ao Povo Angolano, que acorda de manhã com a esperança de um dia novo para continuar a sonhar no ritmo de UAZEKELE.

No primeiro álbum, o objectivo era, antes de tudo, reestruturar a estética rítmica da música tradicional moderna angolana e estabelecer uma forma de Jazz de Angola.

O artista conta entusiasmado que a receptividade do público em relação ao Uazekele foi acima da expectativa: “A princípio, eu sabia que estava a construir uma obra que seria um novo cartão-de-visita para a música moderna artística de Angola e que muitas pessoas iriam se identificar com a mesma. Quando fui buscar a participação mais alta de artistas estrangeiros, eu sabia que eles não me cobrariam menos de 50 mil dólares pela participação, mas eu tinha uma arma poderosa que não era o dinheiro, mas a música com arte. Eu enviava às músicas antes do pedido de participação, eles ouviam-nas e sentiam-se emocionados ao perceberem que estavam diante de uma nova forma de música, e vinda de África. Automaticamente aceitavam sem qualquer negociação financeira, ajudavam-me, corrigiam e sugeriam algumas mudanças técnicas que eram, sim, uma grande contribuição para fazer um álbum ao nível internacional e me colocar em pé de igualdade dos grandes músicos.” A verdade é que todo esse processo fez com que o músico cresse que o álbum teria uma boa aceitação, em Angola e no mundo.

Gonga canta amor, histórias sobre a tradição cultural angolana, críticas sociais, embora pense que as pessoas o rotulem à oposição ou como músico de intervenção política, pelo que se desfaz do rótulo… “eu não canto política, talvez um dia o faça, por me sentir um cidadão livre para falar, posicionar-se ou fazer política. Devemos musicar sempre pensando na possibilidade de construir obras artísticas para alcançar o mundo. Faço aqui referência a artistas como Djavan é para o Brasil; Bob Marley, para a Jamaica; Cesária Évora, para o Cabo-Verde; Juan Luís Guerra, para a República Dominicana; e Michel Jackson, para os EUA. Eu uso a música para transmitir valores culturais e sociais, procuro sempre abrir espaços para ensinar as nossas línguas e suas variantes de forma mais leve, usando a canção como veículo, adicionando instrumento no ritmo tradicional ao mesmo tempo para o aluno, uma canção na língua nacional ajudo a resolver questões sociais com críticas construtivas chamando atenção daquilo que está certo ou está errado.”

Vladmiro Gonga faz música profissionalmente, há mais de 20 anos. O seu primeiro disco foi gravado em 1999, no estúdio da B. Max, com a Produção do Yeyé Júnior e dos Irmãos Yho e Yunha, com 4 faixas musicais. Era um LP. De lá para cá, surge o MassembaJazz, produzido em 2010, no Rio de Janeiro, e, em 2023, o Uazekele gravado e produzido inteiramente por ele, cá em Luanda.

Questionado se sente que cresce, o músico dá um Sim com S maiúsculo, “a música é uma ciência dinâmica e nós devemos seguir essa mesma dinâmica aceitando novas criações, abrindo sempre a possibilidade de ouvir para aprender, estudar, ensaiar e pesquisar para ter o poder de Mestre criativo”, confabulou.

O artista estudou Música na Academia de Música de Luanda onde fez Canto Lírico e Violão Clássico com o Mestre Mateus Júnior; passou pela Escola de Música Mestre Weba onde fez o Jazz com o Professor Raimundo Santos; de seguida pelas escolas de música Brasileira; Diego Ciclar e Mais que Música, nas quais estudou a Bossa Nova.

“Lancei o álbum MassembaJazz antes das Plataformas Digitais e redes sociais funcionarem como hoje. No caso, hoje as pessoas ouvem a canção ‘Valsa da Zungueira’ ou outra do álbum passado e dizem que melhorei, pergunto como? Se a música é antiga, com mais de 10 anos de gravação…!? As pessoas é que melhoraram os seus ouvidos, não eu, só agora começam a ouvir o álbum que gravei há 10 anos; eu era sempre criticado por cantar em voz leve, suave, sem gritos e com textos poéticos complexos, dissonância na voz, com acordes harmonicamente invertidos do Jazz e da Bossa Nova, os conhecidos acordes dissonantes; a sonoridade do Violão soava desafinado aos ouvidos de quem não estivesse habituado com tal sonoridade, isto incomodava profundamente os colegas músicos, sobretudo os da linha do Semba e da Kizomba, incluindo jornalistas, críticos, produtores e gente que trabalha na divulgação, todos criticavam. Eu não esperava outra coisa num País em que a música é batida e graves fortes nas colunas, porém sabia o que estava a fazer e nunca desisti. Hoje, as pessoas percebem que cantar não é gritar e que os acordes dissonantes são sons sofisticados para ouvidos apurados. A Massemba vai sendo o nosso Jazz em Angola”, desabafou desafogado o músico que se considera antes de tudo um crítico do seu próprio trabalho.

O processo de preparo do Uazekele foi como nos confidenciou Gonga um martírio interessante. Sendo que começou por pesquisar ritmos, seguido da construção de harmonias com percussões imaginárias criando textos sobre histórias tradicionais e sobre o amor, criou um repertório e foi tocando as músicas com as várias Bandas, o que o permitiu gravar ideias diferentes para a produção do mesmo. Esse processo durou 6 anos, para em 2021 entrar em estúdio com o seu Violão, convidou o Isaú Baptista para participar da Base da construção das primeiras músicas gravadas, “quando fui ao estúdio já sabia o que queria, já tinha um foco, que gerava alguns conflitos de ideias com outros músicos produtores que eu convidei a tocar, eles traziam suas ideias e eu não estava aberto a ideias diferentes da minha… Dei, sim, o meu melhor. É um álbum com a minha assinatura como produtor, tem 99% da minha personalidade musical, eu quero muito mais, o que está aí foi dentro das possibilidades financeiras, procurei fazer o máximo com o pouco… As participações foram com os benefícios que à internet nos oferece, deu-me a possibilidade de gravar à distância com colegas a partir dos EUA, Brasil, Portugal, Cuba; foi uma conexão muito boa”, contou.

Uazekele tem característica rítmica experimental enraizada na Massemba, Semba, Kilapanga, Tchianda e Sambalage combinada com o Jazz e a Bossa Nova, e tem várias participações de cantores e instrumentistas nacionais e internacionais como: Jaques Morelenbaum, Paulo Calasans, André Vasconcelos, João Viana, Max Viana, Filo Machado, Filipe Mukenga, Sandra Cordeiro, Kool Klever, Jay Lourezo, Raquel Lisboa, Mário Gomes, Isau Batista, Nino Jazz, Jack Nsaka, Benilson Gabriel…, os músicos foram todos criteriosamente seleccionados.

O músico afirma que o MassembaJazz foi produzido em melhores condições que o Uazekele; “foi no Brasil, produzido pelo filho do Djavan, o guitarrista Max Viana, tive a possibilidade de escolher o microfone para captar a voz, usei o melhor microfone, que o Djavan gosta de usar, gravei com os músicos e equipa técnica no estúdio do Djavan, em casa, por isso tem a qualidade que tem e até hoje é ouvido como novo”, disse envaidecido.

Uazekele por sua vez acaba por se apresentar como um álbum moderno, muito experimentado com técnicas novas de execução dos ritmos tradicionais e sugerindo uma renovação estética para a música angolana, também com instrumentistas de alto níveis criteriosamente seleccionados, feito intencionalmente com o cuidado de estar em pé de igualdade de produção com o MassembaJazz e outra obra qualquer produzida fora do país.

 

 

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